5 de fevereiro de 2010

A carta que te escreverei em 2020

Querido N,


Talvez deva iniciar isto com um pedido de desculpas. Tenho perfeita noção do quanto te desiludi... Fiz-te demasiado mal, eu sei, e os anos que perdeste comigo não voltarão nunca atrás…
Eu envelheci muito nos últimos tempos. As olheiras tornaram-se residentes, o cabelo enfraqueceu, o corpo ficou flácido e as rugas entorpeceram as feições do meu rosto. O meu olhar perdeu o brilho pelo qual te apaixonaste e nos meus lábios nada mais se lê senão angústia. Perdi o gosto de viver, e sofro ainda mais por te ver amargurado devido a esta ignóbil situação…
Já nem sei o que é tomar uma refeição completa: as bolachas, o café e as barras energéticas fornecem-me as calorias necessárias para continuar a escrever. Sim, escrever, essa sórdida actividade que tanto repugnas pelas horas que lhe dedico, e pelo pouco que produz.
Alheei-me de ti por completo, e claro que isso acarretou consequências. E, pior, fi-lo por razões egoístas e infantis: achei que a frustração dos sonhos abdicados em prol da tua pessoa fora culpa tua. Não, não foi, tratou-se unicamente de uma decisão minha. Tu seguiste sempre as tuas ambições, eu não segui as minhas por pura estupidez.
E se, há alguns anos, adormecíamos tão próximos um do outro que passava a noite sentindo a tua respiração na minha face, agora dormes de costas voltadas para mim. Foi aqui se iniciou o processo de estagnação, certo?
Passei a recusar esses beijos que tinhas por hábito roubar fortuitamente, julgando essas trivialidades descartáveis. Fechava-me no quarto horas e horas enquanto ias sair com os teus amigos. Não respondia ao teu «amo-te». Entrei num desespero doentio, perdi as estribeiras, enlouqueci!
E rumou tudo em direcção ao fim, estamos na ponta do precipício. Por vezes, acho-te hediondo quando trazes no pescoço o cheiro de outra mulher, contudo, não te censuro. Tens vinte e seis anos e ainda és esbelto e carinhoso. E eu nunca te poderei dar metade daquilo por que anseias. É mais do que justo.
És de uma paciência infinita para comigo, e chego-me a interrogar: Porque é que ainda continuas comigo? Suportaste todas as vezes em que te menti e te escondi o que realmente se passava…. Mantiveste-te firme em todas as vezes em que insistia viver como um génio frustrado, quando na verdade não passava de um ser profundamente fútil e superficial.. Nessas minhas crises em que mergulho em abismos depressivos, nesse desdenho por tudo o que é material, nesse berreiro histérico, tu ainda me limpas as lágrimas com os nós dos teus dedos e beijas-me a face húmida. Como é que, apesar de todo o meu declínio, ainda me amas tanto?
Não encontro explicação para tamanha persistência nesta decadência de ser que sou. Não, tu não és o meu namorado, és mais como uma mãe porque cuidas e tratas de mim de forma incondicional.
Desculpa-me meu amor, desculpa-me! Eu arruinei-nos, destruí tudo aquilo que de bom nós tínhamos!
Livra-te de mim, imploro-te. Amo-te demasiado para ser eu a fazê-lo. Sou cobarde e não te sei preencher de outra forma que não através de silêncios. Deixa-me, sai desta casa amaldiçoada, vai viver tudo aquilo que perdeste para estar comigo. Recupera a tua felicidade. Eu não te mereço, nunca te mereci. Sempre soube que isto iria acabar assim. Deixa-me morrer só e moribunda. Vai, ordeno-te, vai, que preciso de exorcizar os meus fantasmas!
Eu amo-te, eu amo-te, eu amo-te!, mas quero que vás. Quero o teu bem, e nunca estarás bem enquanto estiveres do meu lado. Não lutes mais por aquilo que aparentei ser… Vai-te!
Hoje eu vou adormecer, vou regressar a esses sonhos inocentes que tinha antes desse negrume se ter apoderado de mim e, quando acordar, não te quero aqui... Nunca mais.

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