22 de dezembro de 2009

Purificação


Nesta rua, é inaudível qualquer vestígio de existência humana. Um pequeno número de folhas secas vagueia pela descida de asfalto, e mais nada se parece mover.

Quebrou este inquebrável silêncio uma aragem desconcertante, gradualmente mais intensa. Beija-me o cabelo e faz dançar a penugem das árvores, transportando de seguida uma sensação de solidão de maiores proporções.

Liberto então o meu olhar neste vazio, nas esperanças corroídas e oxidadas pelo tempo que não se quer fazer esperar. Inesperadamente, sem autorização ou aviso, sinto uma gota de água sobre a minha face, e não sei se é uma lágrima ou a chuva miúda que surge neste momento, acidificando e desgastando o solo.

Sem dó nem piedade, a precipitação fura os telhados repletos de sujidade, fura o banco de jardim esquecido, fura a beata do primeiro cigarro abandonado ao acaso. Cai assim, tão cruelmente, tal como as minhas lágrimas se deitam nos lábios ressequidos em direcção ao âmago do meu ser. Fura e fere, ou não fosse a dor o primeiro sinal da cura.

Depois, escorre. Desliza pelas goteiras, levando as impurezas consigo; navega pela estrada abaixo; flui como gota de orvalho que desfaz a frágil e intocada virgindade matinal. Varre-nos os pecados do espírito, desentope-nos as artérias, essas lágrimas malditas!

Por fim, evapora. É absorvida pela terra e purifica-a, dando vida por onde quer que passe. Também o meu choro me purificou, permitindo a germinação de novos sentimentos.

É pois a água que tudo cura e salva, tanto os males da matéria comos os males da alma…

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